Robert Bresson é um dos grandes cineastas franceses. Mais ainda: um dos maiores do mundo. Um dos mais puros visionários da sétima arte. E um dos grandes segredos da linguagem de Bresson é de ter o hábito de focar as vezes o não humano em seus filmes. Em A Grande Testemunha e O Dinheiro o foco não são seres humanos, mas, um animal ou o objeto monetário. Sua visão de desumanização do ser humano em suas películas não estão apenas em seus temas, mas também na própria interpretação (ou desinterpretação) dos personagens de seus filmes. Os atores atuam ao contrário, vão aos poucos eliminando qualquer reação ou ação dramática, até chegar quase ao vazio da interpretação, como bonecos de cera vivendo personagens frios, sem emoção. Em filmes como O Batedor de Carteiras essa desdramatização do ator fica bem clara. A mecanização vazia da atuação fica evidente neste filme especial de Bresson, considerado um dos seus três melhores. A interpretação pode ser mecânica, mas a expressão artística final não é!
Essa visão de fazer cinema produz um tipo de filme não comercial, cinema arte, na mais alta das expressões; isso justifica o fato de Robert Bresson ser conhecido mais pelos cineastas e especialistas em cinema, do que pelo grande público, mesmo na França.
Uma coisa que me fascina no filme Mouchette é o fato de a garota ser seduzida (e não violentada) de uma forma justificável - o sedutor estava bêbado e eles dois tinham um segredo agora que os uniam, um segredo de vida e morte. Mouchette, pelo abandono do pai, não tem escolha. Deve se entregar ao destino. Inclusive ao suicídio final. Aliás, a maioria dos filmes de Bresson envolve uma morte no final, com raras exceções. A crueldade e miséria da vida sempre é destacada nos filmes. A vida solitária de um padre, a vida sem sentido na pobreza de Mouchette, o condenado preso esperando a morte, a vida cruel do burro entregue a sorte. Todos estão entregues a sorte. Todos buscam por uma salvação. E conseguem no final. Há um quê de insensibilidade e abandono kafkiano nos temas bressonianos, exagerando um pouco a realidade para o pessimismo. Todos veem seus filmes como pessimistas. Bresson insiste na idéia de que não é pessimista e sim lúcido. Chama sua visão cruel da vida de lucidez. Assunto para outra área do saber, o fato é que seus filmes tendem ao pessimismo, como todo o cinema francês: questionador.
Como fazedor de cinema puro - como um Ozu ou um Max Ophuls - o diretor Robert Bresson tem outra peculiaridade: ele evita filmar as pessoas, animais e objetos de corpo inteiro, evitando o plano geral; às vezes, mostra as mãos, os pés, parte do corpo, parte do carro, as pernas caminhando, os braços, rodas girando, mas nem sempre mostra os rostos ou o plano total. Essa linguagem está em todos os seus filmes, mas nota-se mais profundamente no filme Lancelot do Lago e no filme O Diabo, Provavelmente. Essa postura de filmar do diretor se traduz em cinema arte, do qual não estamos acostumados, evitando ser apenas fotografia, provando que não é só na montagem que o cinema se diferencia de outras artes. O diretor francês mostra que filmando de uma determinada forma, usando um ponto de vista radical e diferenciado, pode-se fazer cinema puro, elevando a arte do cinema à altura e à pureza da música ou da literatura.
O fato de evitar também que os atores atuem de forma dramática e o fato de evitar os planos gerais, faz com que seus filmes não se pareçam com peças de teatro filmadas, como muitos filmes de Ingmar Bergman, por exemplo.
Fazendo outro paralelo com a forma de filmar de Ingmar Bergman, o diretor Robert Bresson evita os grandes closes em rostos, desumanizando os personagens, visão compartilhada também com o genial diretor Federico Fellini. Fimar o rosto em close humaniza os personagens, atitude que Bresson evita ao máximo para que se dê espaço ao que ele chama de verdadeira expressão artística do cinema. Para ele, focar os rostos, humanizar os personagens, mostrar planos gerais e dramatizar as ações ao extremo produz teatro filmado e não cinema, como arte pura.
A trilha sonora em certos filmes de Bresson também ajuda a criar essa arte maior. A música ausente em todo o filme Um Condenado a Morte...não diminui em nada o suspense latente durante toda a película. Em A Grande Testemunha uma sonata de Schubert abre a película e essa mesma sonata fecha a história triste do animal testemunhador. No começo ouvimos a sonata com sinos, no final a mesma sonata com os sinos são do gado que cerca o pobre animal em agonia.
Por fim, há o grande símbolo. A cruz no final do filme O Diário de um Padre, a menina afogada no lago em Mouchette, a morte do burro no final de A Grande Testemunha, tudo é símbolo. Há um quê de espiritual e católico nos filmes de Bresson, como há algo de extremamente universal nos filmes de Ozu. Bresson desumaniza seus personagens, mas suas películas tem endereço certo: a Humanidade. Até mesmo a cena mítica do circo em A Grande Testemunha, onde vemos os olhos dos animais engaiolados, onde nada é dito com palavras, mas, vemos aqueles personagens animais como mais humanizados do que os próprios humanos, isso tudo cria algo que chamamos de cinema puro. O forte aqui não é a montagem, como no cinema russo, não é o realismo como no cinema italiano ou a fantasia como em Fellini, nem a dramatização exagerada como em Bergman, o forte aqui é a linguagem cinematográfica, a forma de filmar a história, evitando fórmulas passadas, fazendo com que Bresson não seja apenas mais um cineasta que fez o dever de casa, mas, criou algo realmente novo e puro. by Denison Souza
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