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CINEMA, MÚSICA, PINTURA

Este Blog é produzido e dirigido por:



Denison Souza, arte-educador, escritor free lancer;

meu trabalho já foi publicado no Jornal do Recôncavo e Correio da Bahia

sábado, 29 de dezembro de 2018

Robert Bresson por Denison Souza 2018



Robert Bresson é um dos grandes cineastas franceses. Mais ainda: um dos maiores do mundo. Um dos mais puros visionários da sétima arte. E um dos grandes segredos da linguagem de Bresson é de ter o hábito de focar as vezes o não humano em seus filmes. Em A Grande Testemunha e O Dinheiro o foco não são seres humanos, mas, um animal ou o objeto monetário. Sua visão de desumanização do ser humano em suas películas não estão apenas em seus temas, mas também na própria interpretação (ou desinterpretação) dos personagens de seus filmes. Os atores atuam ao contrário, vão aos poucos eliminando qualquer reação ou ação dramática, até chegar quase ao vazio da interpretação, como bonecos de cera vivendo personagens frios, sem emoção. Em filmes como O Batedor de Carteiras essa desdramatização do ator fica bem clara. A mecanização vazia da atuação fica evidente neste filme especial de Bresson, considerado um dos seus três melhores. A interpretação pode ser mecânica, mas a expressão artística final não é!
Essa visão de fazer cinema produz um tipo de filme não comercial, cinema arte, na mais alta das expressões; isso justifica o fato de Robert Bresson ser conhecido mais pelos cineastas e especialistas em cinema, do que pelo grande público, mesmo na França.
Uma coisa que me fascina no filme Mouchette é o fato de a garota ser seduzida (e não violentada) de uma forma justificável - o sedutor estava bêbado e eles dois tinham um segredo agora que os uniam, um segredo de vida e morte. Mouchette, pelo abandono do pai, não tem escolha. Deve se entregar ao destino. Inclusive ao suicídio final. Aliás, a maioria dos filmes de Bresson envolve uma morte no final, com raras exceções. A crueldade e miséria da vida sempre é destacada nos filmes. A vida solitária de um padre, a vida sem sentido na pobreza de Mouchette, o condenado preso esperando a morte, a vida cruel do burro entregue a sorte. Todos estão entregues a sorte. Todos buscam por uma salvação. E conseguem no final. Há um quê de insensibilidade e abandono kafkiano nos temas bressonianos, exagerando um pouco a realidade para o pessimismo. Todos veem seus filmes como pessimistas. Bresson insiste na idéia de que não é pessimista e sim lúcido. Chama sua visão cruel da vida de lucidez. Assunto para outra área do saber, o fato é que seus filmes tendem ao pessimismo, como todo o cinema francês: questionador.
Como fazedor de cinema puro - como um Ozu ou um Max Ophuls - o diretor Robert Bresson tem outra peculiaridade: ele evita filmar as pessoas, animais e objetos de corpo inteiro, evitando o plano geral; às vezes, mostra as mãos, os pés, parte do corpo, parte do carro, as pernas caminhando, os braços, rodas girando, mas nem sempre mostra os rostos ou o plano total. Essa linguagem está em todos os seus filmes, mas nota-se mais profundamente no filme Lancelot do Lago e no filme O Diabo, Provavelmente. Essa postura de filmar do diretor se traduz em cinema arte, do qual não estamos acostumados, evitando ser apenas fotografia, provando que não é só na montagem que o cinema se diferencia de outras artes. O diretor francês mostra que filmando de uma determinada forma, usando um ponto de vista radical e diferenciado, pode-se fazer cinema puro, elevando a arte do cinema à altura e à pureza da música ou da literatura.
O fato de evitar também que os atores atuem de forma dramática e o fato de evitar os planos gerais, faz com que seus filmes não se pareçam com peças de teatro filmadas, como muitos filmes de Ingmar Bergman, por exemplo. 
Fazendo outro paralelo com a forma de filmar de Ingmar Bergman, o diretor Robert Bresson evita os grandes closes em rostos, desumanizando os personagens, visão compartilhada também com o genial diretor Federico Fellini.  Fimar o rosto em close humaniza os personagens, atitude que Bresson evita ao máximo para que se dê espaço ao que ele chama de verdadeira expressão artística do cinema. Para ele, focar os rostos, humanizar os personagens, mostrar planos gerais e dramatizar as ações ao extremo produz teatro filmado e não cinema, como arte pura.
A trilha sonora em certos filmes de Bresson também ajuda a criar essa arte maior. A música ausente em todo o filme Um Condenado a Morte...não diminui em nada o suspense latente durante toda a película. Em A Grande Testemunha uma sonata de Schubert abre a película e essa mesma sonata fecha a história triste do animal testemunhador. No começo ouvimos a sonata com sinos, no final a mesma sonata com os sinos são do gado que cerca o pobre animal em agonia. 
Por fim, há o grande símbolo. A cruz no final do filme O Diário de um Padre, a menina afogada no lago em Mouchette, a morte do burro no final de A Grande Testemunha, tudo é símbolo. Há um quê de espiritual e católico nos filmes de Bresson, como há algo de extremamente universal nos filmes de Ozu. Bresson desumaniza seus personagens, mas suas películas tem endereço certo: a Humanidade. Até mesmo a cena mítica do circo em A Grande Testemunha, onde vemos os olhos dos animais engaiolados, onde nada é dito com palavras, mas, vemos aqueles personagens animais como mais humanizados do que os próprios humanos, isso tudo cria algo que chamamos de cinema puro. O forte aqui não é a montagem, como no cinema russo, não é o realismo como no cinema italiano ou a fantasia como em Fellini, nem a dramatização exagerada como em Bergman, o forte aqui é a linguagem cinematográfica, a forma de filmar a história, evitando fórmulas passadas, fazendo com que Bresson não seja apenas mais um cineasta que fez o dever de casa, mas, criou algo realmente novo e puro. by Denison Souza

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Antonio Vivaldi por Denison Souza 2018


Famoso pelos seus concertos para violino, muita coisa boa dele fica sem conhecimento do grande publico. Exemplo, muita gente não tem acesso a música de câmara de Vivaldi. Ele compôs maravilhosas sonatas para violino e sonatas para cello. E muita música boa envolvendo três ou quatro instrumentos ao modo do concerto grosso. 

O seu op. 1 é composto de trio sonatas, mas o mestre rosso ainda está imaturo aqui e nada faz além de Corelli. Com exceção das duas últimas peças. 

Mas no Op. 2 ele já nos revela sonatas maravilhosas e com fervor dignos do op. 3 Lestro Armonico ou das Quatro Estações. O op. 5 já revela sonatas menos inflamadas, com uma certa reserva em se tratando de Vivaldi, porque foram compostas para o povo do Norte, anglo-saxão, que pouco gosta de musica com fervor italianizado. Não podemos nos esquecer que o único exemplar de tema e variações de Vivaldi está aqui nessa área de câmara: a sonata XII "Folia" do Op. 1. Os trios sonatas de Vivaldi são uma parte importante que precisa ser levado em conta pelo apreciador sério do mestre veneziano. 

Seus concertos de câmara, chambers concertos, sonatas para instrumentos solo e para dois ou mais, são muito bons. Adoro ver a variedade dos timbres. A mistura inusitadas, por exemplo, de oboé com flauta doce. Sua música de câmara é dominada pelos instrumentos de sopro. Mas, sem dúvidas, as obras camerísticas de Vivaldi mais admiradas e tocadas são suas seis sonatas para cello composta em Paris, em 1740. É preciso ter em mente que sua música de câmara foi escrita para o entretenimento privado, tranquilo, dos connoisseurs, não para o efeito público espetacular e imediato, como os seus concertos, para impressionar em grande escala. 
Ainda no âmbito seleto da música de câmara, não é justo deixarmos de fora suas belas sonatas para flauta e baixo continuo, e ainda no universo camerístico, no caso aqui, envolvendo a voz humana, gostaria de destacar as cantatas de Vivaldi. Maravilhosa intimidade entre voz (sempre feminina) solo e baixo contínuo, as vezes, com algum outro instrumento acompanhando a voz.

Vivaldi compôs muito e em vários gêneros. Suas serenatas, com várias vozes, incluindo coro, também são palatáveis e pouco conhecidas, destacando aqui a Serenata a tré e a épica serenata La Senna Festeggiante, e que são até mais agradáveis que suas óperas. Aliás, sua melhor ópera não é exatamente uma ópera. Escute essa maravilha para coro e solistas diversos: Juditha Triumphans; essa obra magnifica e gigantesca  merece, assim como o Requiem de Verdi, ser considerada a melhor "ópera" de Vivaldi. Na verdade, esse oratório (único inteiro que sobrou do mestre rosso), é a sua maior obra prima vocal. Superando em complexidade e artimanhas suas obras sacras mais famosas, como o Gloria, o Stabat Mater ou seus motetos. Aliás, é gratificante saber que seus 12 motetos com solistas estão começando a entrar no repertório de concerto mundial. Adoro esses motetos de Vivaldi, uma das coisas mais gratificantes de ouvir do período.
Quanto aos concertos, gostaria de acrescentar, que é preciso conhecer obras como o Concerto Ripieno RV 114, os concertos La Cetra e La Stravaganza, a obra prima (que lembra os concertos de Brandemburgo de Bach) o concerto de câmara para vários instrumentos em Gm RV 107; do op. 11 eu destaco apenas o concerto n.2 conhecido por Il Favorito. É muito importante dar atenção aos Double concertos de Vivaldi; aqui temos peças magníficas e ricas em timbres. Considere que foram 45 concertos para dois instrumentos compostos contra 329 concertos com um solista. Considerando este universo dos concertos, os de câmara, com vários instrumentos, mas sem orquestra, são os mais incríveis e inusitados de Vivaldi. Seus concertos para flauta op. 10, os concertos para flauta doce e os concertos para bandolim e sua música concertista incluindo o violão na execução moderna (alaúde antigo) são obras para serem pesquisadas. Estão entre as peças mais prazerosas do padre italiano. 

Não podemos nos esquecer dos famosos e espetaculares concertos para Cello, além, claro, dos famosos concertos para violino, seu ponto mais conhecido. Dentro dessa área do concerto para violino o Lestro Armonico op. 3 ganha de disparada. São doze concertos e cada um impressiona mais que o outro. Concordo que as quatro estações são mais famosas e tão bem feitas quanto, mas dos doze concertos do conjunto intitulado Il cimento dell"armonia e dell"inventione apenas os quatro primeiro entraram no repertório. Lestro Armonico, não. É a única coleção de Vivaldi que se toca na íntegra e é respeitada na íntegra. 

Obras raras: Tem obras pouco conhecidas de Vivaldi que eu acho maravilhoso descobrir. Tem um concerto para dois cravos e baixo continuo que eu acho um espetáculo, RV 517. 
Ainda na área orquestral, Vivaldi compôs 60 sinfonias e ajudou a entregar o produto quase pronto para o período clássico da música fazer o que quisesse.