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CINEMA, MÚSICA, PINTURA

Este Blog é produzido e dirigido por:



Denison Souza, arte-educador, escritor free lancer;

meu trabalho já foi publicado no Jornal do Recôncavo e Correio da Bahia

sábado, 29 de dezembro de 2018

Robert Bresson por Denison Souza 2018



Robert Bresson é um dos grandes cineastas franceses. Mais ainda: um dos maiores do mundo. Um dos mais puros visionários da sétima arte. E um dos grandes segredos da linguagem de Bresson é de ter o hábito de focar as vezes o não humano em seus filmes. Em A Grande Testemunha e O Dinheiro o foco não são seres humanos, mas, um animal ou o objeto monetário. Sua visão de desumanização do ser humano em suas películas não estão apenas em seus temas, mas também na própria interpretação (ou desinterpretação) dos personagens de seus filmes. Os atores atuam ao contrário, vão aos poucos eliminando qualquer reação ou ação dramática, até chegar quase ao vazio da interpretação, como bonecos de cera vivendo personagens frios, sem emoção. Em filmes como O Batedor de Carteiras essa desdramatização do ator fica bem clara. A mecanização vazia da atuação fica evidente neste filme especial de Bresson, considerado um dos seus três melhores. A interpretação pode ser mecânica, mas a expressão artística final não é!
Essa visão de fazer cinema produz um tipo de filme não comercial, cinema arte, na mais alta das expressões; isso justifica o fato de Robert Bresson ser conhecido mais pelos cineastas e especialistas em cinema, do que pelo grande público, mesmo na França.
Uma coisa que me fascina no filme Mouchette é o fato de a garota ser seduzida (e não violentada) de uma forma justificável - o sedutor estava bêbado e eles dois tinham um segredo agora que os uniam, um segredo de vida e morte. Mouchette, pelo abandono do pai, não tem escolha. Deve se entregar ao destino. Inclusive ao suicídio final. Aliás, a maioria dos filmes de Bresson envolve uma morte no final, com raras exceções. A crueldade e miséria da vida sempre é destacada nos filmes. A vida solitária de um padre, a vida sem sentido na pobreza de Mouchette, o condenado preso esperando a morte, a vida cruel do burro entregue a sorte. Todos estão entregues a sorte. Todos buscam por uma salvação. E conseguem no final. Há um quê de insensibilidade e abandono kafkiano nos temas bressonianos, exagerando um pouco a realidade para o pessimismo. Todos veem seus filmes como pessimistas. Bresson insiste na idéia de que não é pessimista e sim lúcido. Chama sua visão cruel da vida de lucidez. Assunto para outra área do saber, o fato é que seus filmes tendem ao pessimismo, como todo o cinema francês: questionador.
Como fazedor de cinema puro - como um Ozu ou um Max Ophuls - o diretor Robert Bresson tem outra peculiaridade: ele evita filmar as pessoas, animais e objetos de corpo inteiro, evitando o plano geral; às vezes, mostra as mãos, os pés, parte do corpo, parte do carro, as pernas caminhando, os braços, rodas girando, mas nem sempre mostra os rostos ou o plano total. Essa linguagem está em todos os seus filmes, mas nota-se mais profundamente no filme Lancelot do Lago e no filme O Diabo, Provavelmente. Essa postura de filmar do diretor se traduz em cinema arte, do qual não estamos acostumados, evitando ser apenas fotografia, provando que não é só na montagem que o cinema se diferencia de outras artes. O diretor francês mostra que filmando de uma determinada forma, usando um ponto de vista radical e diferenciado, pode-se fazer cinema puro, elevando a arte do cinema à altura e à pureza da música ou da literatura.
O fato de evitar também que os atores atuem de forma dramática e o fato de evitar os planos gerais, faz com que seus filmes não se pareçam com peças de teatro filmadas, como muitos filmes de Ingmar Bergman, por exemplo. 
Fazendo outro paralelo com a forma de filmar de Ingmar Bergman, o diretor Robert Bresson evita os grandes closes em rostos, desumanizando os personagens, visão compartilhada também com o genial diretor Federico Fellini.  Fimar o rosto em close humaniza os personagens, atitude que Bresson evita ao máximo para que se dê espaço ao que ele chama de verdadeira expressão artística do cinema. Para ele, focar os rostos, humanizar os personagens, mostrar planos gerais e dramatizar as ações ao extremo produz teatro filmado e não cinema, como arte pura.
A trilha sonora em certos filmes de Bresson também ajuda a criar essa arte maior. A música ausente em todo o filme Um Condenado a Morte...não diminui em nada o suspense latente durante toda a película. Em A Grande Testemunha uma sonata de Schubert abre a película e essa mesma sonata fecha a história triste do animal testemunhador. No começo ouvimos a sonata com sinos, no final a mesma sonata com os sinos são do gado que cerca o pobre animal em agonia. 
Por fim, há o grande símbolo. A cruz no final do filme O Diário de um Padre, a menina afogada no lago em Mouchette, a morte do burro no final de A Grande Testemunha, tudo é símbolo. Há um quê de espiritual e católico nos filmes de Bresson, como há algo de extremamente universal nos filmes de Ozu. Bresson desumaniza seus personagens, mas suas películas tem endereço certo: a Humanidade. Até mesmo a cena mítica do circo em A Grande Testemunha, onde vemos os olhos dos animais engaiolados, onde nada é dito com palavras, mas, vemos aqueles personagens animais como mais humanizados do que os próprios humanos, isso tudo cria algo que chamamos de cinema puro. O forte aqui não é a montagem, como no cinema russo, não é o realismo como no cinema italiano ou a fantasia como em Fellini, nem a dramatização exagerada como em Bergman, o forte aqui é a linguagem cinematográfica, a forma de filmar a história, evitando fórmulas passadas, fazendo com que Bresson não seja apenas mais um cineasta que fez o dever de casa, mas, criou algo realmente novo e puro. by Denison Souza

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Antonio Vivaldi por Denison Souza 2018


Famoso pelos seus concertos para violino, muita coisa boa dele fica sem conhecimento do grande publico. Exemplo, muita gente não tem acesso a música de câmara de Vivaldi. Ele compôs maravilhosas sonatas para violino e sonatas para cello. E muita música boa envolvendo três ou quatro instrumentos ao modo do concerto grosso. 

O seu op. 1 é composto de trio sonatas, mas o mestre rosso ainda está imaturo aqui e nada faz além de Corelli. Com exceção das duas últimas peças. 

Mas no Op. 2 ele já nos revela sonatas maravilhosas e com fervor dignos do op. 3 Lestro Armonico ou das Quatro Estações. O op. 5 já revela sonatas menos inflamadas, com uma certa reserva em se tratando de Vivaldi, porque foram compostas para o povo do Norte, anglo-saxão, que pouco gosta de musica com fervor italianizado. Não podemos nos esquecer que o único exemplar de tema e variações de Vivaldi está aqui nessa área de câmara: a sonata XII "Folia" do Op. 1. Os trios sonatas de Vivaldi são uma parte importante que precisa ser levado em conta pelo apreciador sério do mestre veneziano. 

Seus concertos de câmara, chambers concertos, sonatas para instrumentos solo e para dois ou mais, são muito bons. Adoro ver a variedade dos timbres. A mistura inusitadas, por exemplo, de oboé com flauta doce. Sua música de câmara é dominada pelos instrumentos de sopro. Mas, sem dúvidas, as obras camerísticas de Vivaldi mais admiradas e tocadas são suas seis sonatas para cello composta em Paris, em 1740. É preciso ter em mente que sua música de câmara foi escrita para o entretenimento privado, tranquilo, dos connoisseurs, não para o efeito público espetacular e imediato, como os seus concertos, para impressionar em grande escala. 
Ainda no âmbito seleto da música de câmara, não é justo deixarmos de fora suas belas sonatas para flauta e baixo continuo, e ainda no universo camerístico, no caso aqui, envolvendo a voz humana, gostaria de destacar as cantatas de Vivaldi. Maravilhosa intimidade entre voz (sempre feminina) solo e baixo contínuo, as vezes, com algum outro instrumento acompanhando a voz.

Vivaldi compôs muito e em vários gêneros. Suas serenatas, com várias vozes, incluindo coro, também são palatáveis e pouco conhecidas, destacando aqui a Serenata a tré e a épica serenata La Senna Festeggiante, e que são até mais agradáveis que suas óperas. Aliás, sua melhor ópera não é exatamente uma ópera. Escute essa maravilha para coro e solistas diversos: Juditha Triumphans; essa obra magnifica e gigantesca  merece, assim como o Requiem de Verdi, ser considerada a melhor "ópera" de Vivaldi. Na verdade, esse oratório (único inteiro que sobrou do mestre rosso), é a sua maior obra prima vocal. Superando em complexidade e artimanhas suas obras sacras mais famosas, como o Gloria, o Stabat Mater ou seus motetos. Aliás, é gratificante saber que seus 12 motetos com solistas estão começando a entrar no repertório de concerto mundial. Adoro esses motetos de Vivaldi, uma das coisas mais gratificantes de ouvir do período.
Quanto aos concertos, gostaria de acrescentar, que é preciso conhecer obras como o Concerto Ripieno RV 114, os concertos La Cetra e La Stravaganza, a obra prima (que lembra os concertos de Brandemburgo de Bach) o concerto de câmara para vários instrumentos em Gm RV 107; do op. 11 eu destaco apenas o concerto n.2 conhecido por Il Favorito. É muito importante dar atenção aos Double concertos de Vivaldi; aqui temos peças magníficas e ricas em timbres. Considere que foram 45 concertos para dois instrumentos compostos contra 329 concertos com um solista. Considerando este universo dos concertos, os de câmara, com vários instrumentos, mas sem orquestra, são os mais incríveis e inusitados de Vivaldi. Seus concertos para flauta op. 10, os concertos para flauta doce e os concertos para bandolim e sua música concertista incluindo o violão na execução moderna (alaúde antigo) são obras para serem pesquisadas. Estão entre as peças mais prazerosas do padre italiano. 

Não podemos nos esquecer dos famosos e espetaculares concertos para Cello, além, claro, dos famosos concertos para violino, seu ponto mais conhecido. Dentro dessa área do concerto para violino o Lestro Armonico op. 3 ganha de disparada. São doze concertos e cada um impressiona mais que o outro. Concordo que as quatro estações são mais famosas e tão bem feitas quanto, mas dos doze concertos do conjunto intitulado Il cimento dell"armonia e dell"inventione apenas os quatro primeiro entraram no repertório. Lestro Armonico, não. É a única coleção de Vivaldi que se toca na íntegra e é respeitada na íntegra. 

Obras raras: Tem obras pouco conhecidas de Vivaldi que eu acho maravilhoso descobrir. Tem um concerto para dois cravos e baixo continuo que eu acho um espetáculo, RV 517. 
Ainda na área orquestral, Vivaldi compôs 60 sinfonias e ajudou a entregar o produto quase pronto para o período clássico da música fazer o que quisesse. 

domingo, 25 de novembro de 2018

Música Contemporânea, o que ouvir?



 O que ouvir dos mestres da música erudita de 1945 até os dias de hoje por Denison Souza 2018

O tempo da História da música é diferente da tabela do tempo da História Geral. O renascimento musical não se deu no mesmo tempo da Renascença Italiana e nem a fase de Beethoven para a música era a época do modernismo, apesar de a Era ser Moderna. Modernismo é a música que surge no começo do século XX, já com insinuações no final do século XIX. E compositor contemporâneo deve ter nascido de 1925 em diante. Por exemplo, Stravinsky já tinha escrito a Sagração em 1913. Ele nasceu antes de 1925. Mesmo que tenha morrido na década de 70, não é considerado contemporâneo. É um artista moderno. 

São muitos os mestres contemporâneos; só para ter uma idéia, existem 32 mestres consagrados do Renascimento na música. 57 mestres barrocos. No período clássico a mesma quantidade. E veja que, com o passar do tempo, alguns poucos tem importância superior na História e a maioria é apenas interessante. No Romantismo acontece dois fenômenos: dobra a quantidade de mestres relevantes: 130 mestres. E outra coisa que acontece diferente: grande parte dos mestres são de grande importância. Considero a fase romântica a menos interessante da História. Talvez por ter massacrado nossas mestes em todo o século XX. No século XX e XXI (ainda no começo) temos uma quantidade extraordinária de granes mestres: 295 mestres, dos quais, 71 artistas ainda estão vivos. 

E esses caras são especiais, porque vieram depois dos clássicos e negaram o Romantismo anterior criando uma música riquissima de timbres e expressão renovada, uma vez que eles já nasceram com toda a pesada herança de tudo que foi feito antes e tiveram o privilégio de poder ouvir discos e fitas de obras antigas.

Dicas de audição:
Começo pelo genial Une Saison en enfer (uma temporada no inferno), de Gilbert Amy. Uma das partituras contemporâneas mais ambiciosas e audazes. 
O melhor minimalista (tendência contemporânea) é Jean-Claude Éloy, nascido em 1938. Escute Shanti e a obra Gaku no Michi.
Um gênio grandioso é Sylvano Bussotti. Escute dele A paixão de Sade, The Rara Requiem e o balé Bergkristall, maravilha de balé. 

Na Alemanha, a jovem geração liderada por Manfred Trojahn e Wolfgang Rihm, cuja fama não ultrapassou ainda as fronteiras desse país. Escute as canções e obras de câmara. 
E ja se delineia a geração nascida nos anos 60: são seus representantes a francesa Suzanne Giraud (1958-) e o inglês George Benjamin (1960-). Vale ouvir suas canções e obras de câmara.

Pascal Dusapin é genial. Seus quartetos são imperdíveis! Escute seu concerto para flauta e o para piano. São músicas do mais alto nível essas dicas aqui.
Inglaterra é ópera! Todo compositor lá, mesmo contemporâneo, tem de enveredar os caminhos da ópera. Não tem jeito. Brian Ferneyhough é figura de proa da música britânica da década de 80. Escute Sonatas para quarteto de cordas, Funerailles I e II, Transit e procure por sua ópera Shadowtime. Todo inglês compõe óperas.

Mestre Dieter Schnebel: Korpersprache e Schulmusic, altamente experimentais.

Na música contemporânea tem de tudo, aqueles mestres mais classicistas, outros aleatórios como Lutoslawski (mas que controla o aleatório), os eletrônicos, os minimalistas, os ecléticos, os neobarrocos, os pós-serialistas, etc. 
Aqui constam obras capitais para que o iniciante tenha uma visão geral desse cosmo especial da música erudita onde cada mestre (galáxia) e seus gêneros (planetas) se revelam magníficamente ricos em variedade e expressão.

Falemos dos mestres vivos mais importantes...temos 71 mestres na ativa, mas vamos selecionar. Carlisle Floyd, Ersnst Mahle, Sofia Gubaidulina, Harrison Birtwistle, Arvo Part, Philip Glass, Leo Brouwer, Thomas Adès e o mais respeitado e antigo: Penderecki. Apenas Penderecki eu darei dicas de audição. Os outros ainda são muito novos e qualquer coisa é válido ouvir. Penderecki é gênio, Escreve em todos os gêneros e bem: Lamentos a memória das vítimas de Hiroshima, ópera Paradise Lost, Paixão segundo São Lucas, Cello Concerto, o grande Requiem Polonês e suas tantas sinfonias que ainda hoje escreve.  
Agora vamos falar dos gigantes provocadores: Mauricio Kagel: Sexteto para cordas, Match, Quartetos para cordas 1 e 2, Exposition. John Cage: Paisagem imaginária I e Sonatas e Interlúdios para piano preparado. Eliott Carter: três notáveis quartetos para cordas, Sonata para Cello e piano e Peças para Timbales.

Vamos ao grande ateliê europeu. Iannis Xenakis. Escute Polytopes, Nekuia, Ais, cheios de abstração lírica.  Gyorgy Kurtag é um mestre excelente. Escute Os dizeres de Peter Bornemisza, seu concerto para piano e soprano, Huit duos e 21 poemas de Rimma Dalos, surpreendente sequencia de Lieder para soprano. Aliás, tudo de Kurtag é delicioso de ouvir.
Outro gigante, Ligeti: Atmospheres, Lux Aeterna (usada em 2001, uma Odisseia), Requiem, Aventures, etc. 

Agora tratemos dos revolucionários eletroacústicos. A obra que é sempre citada como inaugural da música eletroacústica é Gesange der Junglinge, de Stockhausen. Escute dele também Gruppen. A música concreta surge com Pierre Schaeffer e Pierre Henry: A Symphonie pour un homme seul foi a primeira obra da música concreta, revelada em 1950 para um público estupefato. Escute Sigma de Ivo Malec e Deserts de Varèse. E também Pierre Barbaud: O mistério do Atelier 15.
Os iniciadores do movimento contemporâneo são Andre Jolivet, Daniel Lesur e Olivier Messiaen. Daniel Lesur, escute Le Bal du Destin e Andrea del Sarto. De Jolivet que criou obras na decada de 30, mas é importante para o que viria nos anos 40, escute seu quarteto de cordas de 1939, Cinco danças  de 1939 e Missa para o dia da paz, de 1940.   
Messiaen é mais famoso. Escute dele Mode de valeurs et d'intensité. Essa obra abriu as portas de tudo que foi produzido nos anos 50. Suas obras mais espetaculares são Turangalila-Symphonie, Quarteto para os fins dos tempos e A Ascensão.

Boris Blacher: Sete estudos sobre metros variáveis, Lysistrata.
Wolfgang Fortner: Bodas de Sangue, Elisabeth Tudor.
Luigi Dallapiccola: Liricas Gregas, a ópera O Prisioneiro, Cantos de Libertação.
Michael Tippett: Concerto para Dupla Orquestra de Cordas, o Oratório A Child of Our Time e os deliciosos Quartetos para cordas.
Benjamin Britten: maior operista do século XX. Escute as óperas Peter Grimes e Morte em Veneza. Escreveu maravilhas em outros gêneros também: War Requiem, Illuminations, Variações sobre um tema de Purcell e outras obras mais. Foi o fundador do Festival de Aldeburgh.

E finalmente, Lutoslawski. Esse fazia um trabalho aleatório controlado magnífico. Sua música tem muita inteligência e expressão: Variações Paganini, Sinfonias 2 e 3, Marcha Funebre em memória de Bartók (adoro essa obra), Seu Quarteto para cordas é espetacular. O Triptico Silesiano para soprano e orquestra, tres poemas de Henri Michaux, Cello Cocerto e seu Concerto Duplo para Orquestra. Genial. 

Agora vamos para o famoso curso de verão de Darmstadt. Aqui encontramos os maiores gigantes da música contemporânea. Pesquise Pierre Boulez: Soleil des eaux, Pli selon Pli, Structures, Éclats e a obra Répons. Verifique o mestre Jean Barraqué: Séquence, Sonata para piano e o Concerto para Clarineta. Mestre Henze: entre seus grandes sucessos, Boulevard Solitude, A Jangada da Medusa e As Musas Sicilianas. 

Escute as obras magnificas para piano de Henri Pousseur (seria um Erik Satie mais evoluido).

Luciano Berio. Um dos grandes. Um gigante. Escute Círculos para voz feminina, Epifânia, sua Sinfonia, Sequenze e Laborintus. Luigi Nono é outro grande. Escute dele a obra Variações Canônicas, Canti, Incontri e também Polifonia Monodica Ritmica. E outro gênio, o veneziano Bruno Maderna. Sua obra para flauta e fita magnética é excelente, chama-se Musica su due dimensioni. Escute dele a obra Hyperion e o Terceiro Concerto para Oboé.

Se escutar essas obras sugeridas terá uma ótima noção da música feita de 1945 até os dias de hoje.E sairá da rotina de ficar tomando sopa fria com Schumann e Verdi.

Denison Souza - 2018

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Música erudita de 1945 ate os dias de hoje


Mestres de 1945 até os dias de hoje - por Denison Souza.

Os compositores do pós Guerra (segundo conflito) já viam mestres como Dallapicolla, Messiaen, Tippett, Bartok, Berg, Britten, Stravinsky, Shostakovich, Webern e, principalmente o grande Schoenberg, como clássicos consagrados! Esses mestres do começo do século XX escreveram suas melhores obras antes da guerra! E eles servem de exemplo e modelo até os dias de hoje para a música contemporânea!

Além desses citados, dos clássicos antigos, apenas Haydn, Mozart, Beethoven, Brahms, Bruckner, Wagner, Debussy, Mahler e os mais antigos ainda Sebastian Bach, Gesualdo e Monteverdi servem de estudo para os compositores contemporâneos. Todo o resto foi completamente esquecido pelo universo da música de 1945 aos dias de hoje. Sua música rende apenas um pequeno interesse menor e individual, sem servir de matéria prima para novos trabalhos. Não influenciaram tanto! Um Chopin ou Dvorák, por exemplo, soa anacrônico para os nossos dias.

Nos livros atuais sobre música contemporânea, o compositor mais jovem a pôr a cara é o inglês Thomas Àdes, nascido em 1971. Já possui obras representativas e dignas de colocar seu nome na História. Mas o maior compositor vivo é Penderecki. Já escrevia obras primas nos anos 60 antes de Àdes nascer.

Mas os principais mestres da música de 1945 até os dias de hoje são os consagrados Pierre Boulez, Luciano Berio, John Cage, Pierre Schaeffer e Stockhausen. Eles são os Beethoven e Wagner de nosso tempo.

Além desses monstros, podemos citar os grandes compositores, sempre presente em quaisquer livros sobre música erudita, os mestres Varèse, Birtwistle, Bredemeyer, o genial Sylvano Bussoti, Hans Bose, Cerha, Peter Maxwel Davis, o grande Morton Feldman, Luc Ferrari, Philip Glass, Elliot Cárter, Alexander Goehr, Goldmann, Henze, o genial e provocativo Mauricio Kagel, Nicolaus Huber, Killmayer, o genial Kurtag, Lachemann, Ligeti, Lutoslawsky, Nono, Steve Reich, Aribert Reimann, Wolff Rihm, Dieter Schnebel, Alfred Schnittke e o criativo Xenakis.
Tem muita gente boa para pesquisar e procurar suas obras mais representativas. Quando escuto esses caras eu choro, me emociono, os cabras tem muita coisa boa pra mostrar. Muita expressão sincera em música que reflete a segunda metade do século XX e primeira metade do nosso!

Incrível perceber que hoje em dia a musica de um Gorecki ou de um Carl Orff, apesar de uma década de sucesso, não vingou. Foi passageiro! Incrível perceber que compositores tão promissores como Zimmermann, Martinu, Eisler e Gunter Biala não rendem tantas páginas hoje em dia em livros. Tudo passa! Só os realmente bons perduram. Os que têm algo de sempre novo a oferecer, como Beethoven ou Stravinsky. Boulez ou Berio.

Então anote os feras da
Música contemporânea e se atualize! Acorda pra vida e pára de ficar ouvindo compassos e mais compassos de música morta que não serve pra nada mais. Ouvir Corelli ou Vivaldi é completa perda de tempo. Os românticos em geral não tem muito a oferecer a não ser os citados acima. Muito menos os mestres barrocos. Nos basta Bach! Não perca tempo pesquisando música antiga, nos basta Monteverdi. Esqueça os franceses antigos, só Debussy criou algo universal e eterno que nutre os novos! É por ai! Ravel e Rameau apenas criou uma linguagem pessoal, agradável, mas que não criou escola! Não serve de influência. Escute os grandes e se sinta no topo do mundo, sobre os ombros dos gigantes eternos!

terça-feira, 24 de abril de 2018

Resenha Star Wars 8 - Last Jedi



Star Wars 8 - Last Jedi

Um dos melhores filmes Star Wars, quase todo concentrado, literalmente, nas estrelas...aqui Luke percebe que os Jedi so trazem problemas e se isola numa ilha distante. Rey traz um novo tipo de fonte sem ser propriamente a da religião Jedi. É como se a religião se tornasse universal e qualquer um pudesse ter acesso. E suas doutrinas e livros perdessem a importância, como diria Yoda. A nova geração traz uma abordagem nova e menos teórica. Rey é uma jedi despojada de religiosidade e regras, o garoto no final do filme, segurando uma vassoura como um sabre de luz, promete seguir o mesmo caminho. 

Na trilogia anterior, o fato de Luke ficar sabendo que seu inimigo (seu pai) era parte dele - mesmo sangue - tornou a guerra mais dificil. Se Luke fosse pai de Rey - ele por ser do lado dela - seria muito fácil. O esperado. Neste filme, ela nao saber de onde veio e nem quem é seu pai é o vazio equivalente a Luke saber que seu pai é o vilão maior. A sacada foi inteligente. 

Os sets sao espetaculares e com pouca computação gráfica. O set onde fica o trono de Snoke, por exemplo, é o mais extraordinário e tudo ali é real. Enorme. Neste filme, há de se focar, o trabalho foi muito maior que os anteriores. Os sets são muito mais complexos. Apenas os personagens do Cassino já superam e muito qualquer filme Star Wars. Realmente hercúleo o trabalho. 

Nesse filme as conexões da Força sao apresentadas nao de forma psicodélica como antes, mas de forma direta e simples, com cortes simples. Rey se conecta com o vilão Kylo Ren desmascarando-o. O filme desmascara o vilão literalmente. 

Leia, pela primeira vez apresenta um poder da Força de uma forma jamais vista, quando retorna do espaço flutuando ate a aeronave. E tambem está mais violenta como a princesa de antigamente. Dando tapas no rosto de Poe, desafiando, pegando em armas e atirando. Está muito boa a imagem dela neste filme. Esta é a Leia que conhecemos, sensível, porém desafiadora, como a mãe Padmé. Depois de tantas perdas, era de se esperar uma reação. 

Na explosão que expulsa Leia para o espaço Admiral Ackbar infelizmente é atingido e morre!

Poe esta mais arrogante como heroi e cria um motim neste filme! O ator está excelente. E aqui vemos no que ele pode ser capaz. 

O general Hux está mais cômico. Suas caras e bocas do tipo "vou chorar" estão equilibrando as seriedades de Snoke e Kylo Ren. Este ultimo está cada vez mais confuso no filme e dividido. Se revela odiando ser menosprezado por Snoke. E passa a tomar a frente da primeira ordem. 

Kylo Ren revela seu talento como piloto neste filme, herdado do pai Han Solo. Neste filme vemos o primeiro flashback de um filme da franquia, se considerarmos que Rogue One é apenas um spin off. As várias versões da tentativa de assassinato de Kylo Ren por Luke nos remete a Rashomon, de Kurosawa. 

Enquanto DJ, interpretado maravilhosamente pelo grande ator Benicio Del Toro, tenta mostrar para Finn (que so se preocupa com Rey e nao se envolve com a causa) que a guerra é só dinheiro pra la e pra ca e que so alguns loucos pensam em ideologias. O pensamento de DJ lembra o ponto de vista inicial de Han e Lando; a asiática Rose (como um anjo para Finn) mostra para este que a causa é nobre e bela. 

As tomadas internas e externas sem cortes em sets revelando as naves em batalha no espaço é uma novidade em Star Wars no Last Jedi. 

C3PO e R2D2 perdem mais espaço na ação do filme, mas continuam como testemunhas oculares de tudo que ocorre entre os guerreiros. BB 8 é que brilha como droide herói, fazendo ate mesmo um otimo par com Benicio Del Toro. 

Os porgs sao os animaizinhos da vez neste filme. Alem dos habitantes da ilha do templo: os lanais. Outros animais sao os Vulptex, especie de lobos com pelo de cristal. Além do animal estranho que Luke bebe o leite. 


Os policiais de Canto Bight tambem sao personagens interessantes que foram acrescentados neste filme. 

As novidades tecnologicas ficam com os AT-ATs novos. Com o nome de AT-M6, mais se assemelhando a gorilas do que a elefantes, como antes. Mais ameaçadores. Ha tambem as novas naves rebeldes como as Ninkas e Anodynes; mas a novidade maior fica para as naves bomba da resistência com as bombas posicionadas na vertical, lembrando a nave de bobba fett e jango fett! A X wing incrementada de Poe Dameron, os cruzados novos da primeira ordem, ainda mais assustadores. A nave de Kylon Ren, lembrando a de Darth Vader, sendo que mais agressiva e aberta. A gigantesca nave de Snoke. O canhão estilo estrela da morte portátil. As armas e novas roupas dos guardas pretorianos. O anel da resistência. Os speeders dos policiais de Canto Bight. Os sky speeders usados pela resistencia em Crait, bastante desajeitados, porém ágeis. Tem muita novidade em tecnologia star wars. Muita coisa acontecendo. 

Encontros maravilhosos do filme: encontro de Leia com Luke, R2D2 com Luke, Rey com Kylo Ren, Yoda com Luke, Poe com Rey...

Cenas iradas do filme: a fuga em plenas ruas de Dubravonik com os fathiers (visitei essa cidad em 2016 e eles nao mudaram muita coisa; a luta de Rey e Kylo Ren com os guardas do Lider Supremo, as batalhas espaciais, com destaque para Poe e Kylo Ren como pilotos, a cena que Leia é ejetada para o espaço e retorna usando a Força, o suicidio de Holdo na velocidade da luz, a luta entre Luke e Kylo Ren, a luta entre Finn e a Capitã Phasma, a batalha final no planeta de sal Crait com seu cristal vermelho, as cenas do Cassino com seus personagens inusitados, as belas imagens na ilha isolada de Luke...é um filme tão bom quanto Império contra Ataca ou A Vingança dos Sith!

Luke, no final, ao contrário do que fez com o pai, nao tenta convencer Kylo Ren, retorna a ser um Jedi (um Jedi Messiânico), na acepção da palavra. Um Salvador, há muito tempo, chamado e esperado pelo seu retorno e que se sacrifica para salvar os demais, acendendo a fagulha de uma renovada esperança, que supera Rey e alcança as crianças exploradas da galáxia. 

O final é uma bela homenagem ao mito Luke Skywalker, revelando nas crianças a esperança para uma sociedade de resistência futura. 

Resenha: Denison Souza

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Minha experiência com Ozu


 
Por Denison Souza

Ozu desprezava o melodrama, os excessos, as hipérboles dramáticas, fazendo um cinema contemplativo e sereno.
Ele nao fazia dramas, mas realistas comédias agridoces em torno de um mesmo universo (a família, em formação ou dissolução) e suas extensões (a escola, o bar, o escritório). Seu minimalismo escrupuloso recende ao mais puro jansenismo formal.
Ozu sentia imensa ternura pelos seus personagens, jamais julgava seus atos, limitando-se a observá-los com o máximo de isenção possível. Este mestre, conservador, conciliatório, também no desapego a ação drástica e no respeito a valores como a prudência, a acomodação estóica e a submissão fatalista ao inexorável, o inevitável na vida, era um artista universal. Uma das coisas mais belas nos filmes de Ozu é a ausência das cenas mais dramáticas. Se alguém é atropelado, por exemplo, ele prefere que alguém conte (narre) o acontecido, mas, evita mostrar a cena trágica. Enquanto Ingmar Bergman fazia questão de mostrar a morte nos olhos dos seus personagens, a dor da doença, Ozu não mostra nada. Vemos apenas o morto estendido e coberto, pronto para ser velado. Ninguém grita com ninguém, ninguém agride ninguém; quando acontece, o outro não reage. E a agressão é sempre suave (como um tapa com luvas).

Grande cineasta japonês, que se achava provinciano, na verdade, um grande artista universal. Seus temas podem ser identificados por qualquer cultura, seja do Oriente, seja do Ocidente. 
Aparentemente seus filmes são todos iguais, mas, se for dedicada a atenção e a paciência necessárias, pode-se notar pequenas diferenças deliciosas entre um filme e outro.
Nenhum objeto nos filmes de Ozu existe à toa (um trem que passa, uma ponte, uma placa); as chaminés e suas fumaças, por exemplo, podem significar a transitoriedade das coisas. As diversas águas fluindo e mudando de posição podem significar as mudanças da vida.

Ozu, este sereno poeta do cotidiano familiar nipônico, criou filmes memoráveis. Fim de Verão é um filme que resume tudo que Ozu valoriza: a criança enjoada, o casamento arranjado, o senhor de idade que não é respeitado pela família como deveria, a falta de moral, a bebedeira, a luta pelo trabalho, a gueixa, o escritório, o bar e as mulheres.
Se Mizoguchi se concentra nas mulheres, Ozu se concentra em todos: foca nas crianças, nas mulheres, nos velhos, nos homens de escritório...em todos!
A Rotina tem seu Encanto é um filme também sublime! Síntese de todas as preocupações estéticas e morais de Ozu. Como foi o seu último filme, tornou-se também seu testamento.

Os filmes de Ozu não tem aquelas intrigas elaboradas que encontramos nos enredos americanos. É um cinema zen, de contemplação e observação resignada. Cinema de aceitação e não de rebeldia. Os filmes de Ozu valorizam mais o gosto pelos detalhes do que a história propriamete dita.
Estes filmes costumam valorizar as passagens das estações, a rotina e os conflitos individuais que alteram um pouco esta rotina, e os pequenos prazeres: uma boa conversa, um sakê, uma tigela de macarrão, um copo de cerveja, mas, também os grandes conflitos familiares que, em Ozu, se apresentam leves e delicados. Aliás, um problema de um indivíduo nos filmes de Ozu são sempre do interesse de quase todos os personagens da trama, o que dá uma certa dose socialista aos filmes do velho mestre. Se uma moça está se tornando quase tia, um casamento arranjado pode ser preocupação do irmão, da irmã, dos pais, mas também do tio, do vizinho ou do colega de trabalho.

A calma é a tônica. Quando alguém é posto a tomar uma decisão, leva quase o filme todo para sabermos qual a decisão tomada, seja se quer conhecer um pretendente, se quer se casar, se aceita mudar de cidade para servir a empresa, toda decisão é levada a cabo paulatinamente. Todo filme de Ozu se dilui paulatinamente no final, como a sexta sinfonia de Tchaikovsky, onde o verdadeiro adágio está no final. Sempre há uma solução bombástica aos problemas, uma implosão que resolve tudo, desata os nós, mas, há sempre um se deixar levar pela dissolução. No cinema americano o final é sempre a dança de todos, a festa, a união...em Ozu o final pode ser o afastamento, a dissolução, o evaporar-se, a ausência, a morte.

O forte dos filmes de Ozu é o gosto pelos detalhes e pelos prazeres e pelos problemas familiares e a simbologia das estações e objetos inanimados e animados (relógio, ponte, placa de coca cola, ciclistas, remadores passando pelo rio), não é a história em si, não é a atuação dos personagens, não é o julgamento dos valores, é a vida como ela é e como deve ser aceita. O vazio e o silêncio como resposta.
O túmulo de Ozu, um pequeno quadrado de mármore negro, não tráz na lápide nenhum nome ou data. Morreu no mesmo dia que nasceu, em anos diferentes. Na lápide, apenas um ideograma chinês antigo - mu - que significa VAZIO, NADA. Nos filmes de Ozu o Nada se faz presente como resposta aos questionamentos.

Uma das coisas que mais me fascina no cinema de Ozu são os diálogos incomuns. As vezes alguém não ouve o que foi dito e pergunta: o que? Ou uma pessoa demonstra tédio num diálogo e fica sem assunto, situações impossíveis no cinema Ocidental, tão direto e cheio de diálogos rápidos. Ou apontar para uma pipa (algo que não tem nada a ver) e fazer uma observação que tem a ver com os sentimentos naquele momento, fazendo a ligação entre o objeto e a emoção. Outra característica que é proibida no cinema ocidental é o fato de os personagens olharem diretamente para a câmara, para o expectador, a ponto de quase aborrecer, incomodar. Ou a câmara quase o tempo inteiro parada, mirando a altura dos quadris. Quanto a este assunto, muitos críticos vêem a câmara na altura dos quadris como a nostalgia do cineasta fixando a altura do olhar da criança (seu ponto de vista) diante do mundo do adulto.
Mas temos de considerar também que a câmara baixa foi descoberta por acaso. Para filmar Coral de Tokio, forçado a colocar a câmara a alguns poucos centimetros do solo para filmar crianças, Ozu gostou do resultado e passou a usar com adultos. A câmara de Ozu as vezes mexe. E quando mexe (as vezes, um zoom, um travelling) chega dá medo, cria um mistério terrível, acostumados que estamos com a câmara parada.
Ozu sempre utiliza elementos da cultura zen: arte floral, teatral (kabuki), musical (sempre cantam nos filmes dele), poesia, cerimônia do chá, velórios...e apresenta um olhar mais contemplativo do que julgador. Pura aceitação sem resignação, enunciação sem sujeito, pura memória co-extensiva ao presente, ao hoje.
Ao contrário de Mizoguchi ou Kurosawa, Ozu não alterna o momento épico com o intimista; Ozu é sempre intimista. O cinema dele não explode como o americano, implode; não se expressa, se imprime; não é analitico, é sintético, essencial!

Ozu trabalha cinco temas básicos: o casamento arranjado, as relações de trabalho, a morte, os conflitos de gerações e os problemas de relacionamento típicos das famílias. Todos os seus filmes são variações dos mesmos cinco temas. 
Pais que se sacrificam pelos filhos, pais velhos incompreendidos e abandonados, gerações que não se entendem, filho que se sacrifica pela mãe, as dificuldades dos assalariados, crianças desobedientes e rebeldes, tudo isso para mostrar a metamorfose da vida da classe média nipônica e do processo de ocidentalização sofrido pela familia tradicional japonesa. Tudo filmado com um humor sutil e irônico, ou com uma tristeza suave e indiferente.
Os relatos de Ozu em histórias parecidas, mas não iguais, que visam o realismo puro e terminam por transcendê-lo. Os personagens de Ozu não se olham nos olhos, olham para o vazio. E quando fixam o olhar em alguém, o cineasta mostra-os fitando a nós, os expectadores, olhando diretamente para a câmara.
A relatividade do olhar dos personagens faz deles pessoas quase mortas, como as naturezas mortas que aparecem nos filmes como mensagens a partir de imagens inanimadas, que trabalham o espaço, mas também o tempo. Não é só o virtuosismo plástico, através de suas imagens puras que introduzem o vazio no espaço dramático, Ozu também trabalha o fator tempo. E é como uma reflexão no tempo que o seu cinema se realiza: tempo de transformações (por isso as estações estão presentes em seus filmes e títulos), tranformações sociais, de gerações, transformações individuais e familiares, tempo de vida e de morte. Ozu não se aprofunda na vida após a morte e no espiritual, como Ingmar Bergman; o cineasta japonês foca o presente, a presença e a ausência no plano material, no aqui e agora. Não há flashbacks em Ozu. O mestre japonês faz comédia, cria um mundo fantástico por transcender a realidade com sua linguagem plástica, mas, não cria um mundo onírico como Buñuel ou Fellini. A realidade cruel e inevitável está sempre lá; Ozu não dá concessão ao sonho. Apenas à esperança. Ninguém sonha nos filmes de Ozu, ninguém sai da realidade, apenas um pouco, quando bebe (várias cenas com bêbados) ou está muito feliz (as conversas e brincadeiras das mulheres reunidas) ou brincando (neto com avô, crianças ou homens de trabalho fazendo gozações uns com os outros). Mesmo as crianças estão sempre atentas à realidade ao seu redor e ninguém as engana. As ausências de realidade nos filmes de Ozu são realistas, não são oníricas ou fantasiosas.

Ozu nunca se casou com uma mulher. Viveu sempre com a mãe. Casou-se apenas com o cinema!
 

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